A primeira diferença notável está na velocidade da alternância nos estados de humor. Pacientes borderlines sofrem com mais variações. Entenda.
Quando falamos sobre transtornos mentais, é comum as pessoas confundirem um transtorno com outro. Não é para menos: são mais de 300 tipos catalogados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM (atualmente na quinta edição).
O transtorno afetivo bipolar é uma condição que afeta cerca de 6 milhões de brasileiros, homens e mulheres na mesma proporção, normalmente na faixa dos 20 até os 40 anos.
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Muita gente conhece ou já ouviu falar sobre esse transtorno, porque ele tem como principal característica as alternâncias no estado de humor. São dois extremos bem delimitados: uma fase marcada pela mania, ou hipomania, em que o indivíduo se sente eufórico, disposto, tem pensamentos acelerados, comportamentos impulsivos e, muitas vezes, de risco. A princípio, esse estado, para quem não conhece e, principalmente, para os pacientes, pode até soar como algo positivo. Muito diferente do outro extremo, que é a depressão bipolar, em que o paciente não sente vontade de absolutamente nada. Mas a questão é que se não tratada, essa oscilação constante prejudica a qualidade de vida e as relações do indivíduo.
“Muitos pacientes demoram para receber um diagnóstico, porque não acreditam que algo esteja errado, principalmente nessa fase. Eles se sentem bem, com mil ideias. Como se esse fosse o normal”, explica o psiquiatra Jairo Bouer.
A outra fase é a da depressão, que pode durar semanas ou meses e onde há maior risco de suicídio, principalmente se o paciente não estiver em tratamento.
A grande questão da bipolaridade é que muitos pacientes acabam passando um longo período apenas com diagnóstico de depressão – isso chega a ocorrer em cerca de 50% dos casos -, o que é preocupante, já que os medicamentos indicados para tratar a depressão bipolar são diferentes. Se o paciente bipolar for tratado somente com antidepressivos, pode ser que os episódios de euforia se intensifiquem ainda mais. Por isso é importante prestar atenção nesses estados, analisar o quanto se repetem e procurar ajuda especializada o quanto antes.
“Para a depressão bipolar se utilizam, em primeiro lugar, os estabilizadores de humor, como lítio e lamotrigina, associados a algum antipsicótico, como quetiapina, lurasidona (que chegou recentemente ao Brasil) e olanzapina, por exemplo”, explica dr. José Alberto Del Porto, professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
E o transtorno de personalidade borderline?
O transtorno de personalidade borderline, como o próprio nome já indica, não é um transtorno de humor, mas sim de personalidade. Não é a mesma coisa que bipolaridade, em que o problema resulta da desregulação de alguns elementos cerebrais que coordenam as emoções “positivas” e “negativas”. Por mais que o paciente borderline também tenha oscilações de humor, elas são mais instáveis e efêmeras, diferentemente do que ocorre na bipolaridade, em que há dois polos bem marcados que duram um período maior.
O primeiro desafio que um portador enfrenta é conseguir um diagnóstico. Muitos passam anos peregrinando de médico em médico, ou tomando medicamentos que não necessariamente surtem efeito. Nesse meio tempo, acabam sendo estigmatizados e taxados de “excêntricos”, ” pessoa de temperamento forte” ou “pavio curto”.
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Isso porque o comportamento do paciente borderline é instável – não porque ele deseja -, mas, segundo o psiquiatra Diego Tavares, devido à forma como ocorre sua estruturação psíquica do sujeito. Em geral, o que é notado são modos de funcionamento conflitantes e uma desarmonia com o jeito que levam à vida em relação aos demais. É como se estivessem sempre à beira do limite em grande parte das ocasiões, principalmente quando envolve relacionamentos.
“É o jeito como o ‘eu’ do sujeito se estruturou. O paciente borderline tem uma dificuldade muito grande em lidar com a frustração. Eles sentem um vazio crônico, um medo de serem abandonados principalmente quando estão em um relacionamento amoroso. Mas se você avalia só o humor e a impulsividade do sujeito, você não consegue diferenciar um transtorno do outro, ou seja, se é bipolar ou borderline.”
Normalmente, as oscilações de humor dentro do transtorno de personalidade borderline têm agentes estressores mais delimitados. “Um término ou uma briga com a mãe pode ser um gatilho. Agora, na bipolaridade, os agentes estressores são variados e não estão concentrados somente na esfera dos relacionamentos afetivos.Pode ser o trânsito, problemas no trabalho, a fila do banco.”
Episódios de impulsividade são comuns nesse transtorno. Como muitos pacientes têm uma questão com a própria autoimagem (se sente muito melhores ou piores do que são de fato), acabam muitas vezes descontando essa angústia no corpo, através da automutilação. Essa característica costuma estar presente em cerca de 80% dos casos, mas é preciso um diagnóstico clínico muito criterioso, pois só esse comportamento isolado não indica que o paciente seja borderline.
“Não são 2 ou 3 episódios explosivos e impulsivos ao longo da vida que caracterizam um borderline. A personalidade do indivíduo se forma a partir dos 10 anos e termina aos 18 anos. É preciso analisar todo esse período, desde a infância e adolescência, conversando com amigos e familiares, para identificar o histórico”, enfatiza Diego Tavares, psiquiatra.
Por isso que o diagnóstico correto é fundamental. Diferente do que se imagina, a base do tratamento não são os medicamentos, mas sim a psicoterapia. Os medicamentos entram como coadjuvantes, para atenuar oscilações de humor, por exemplo. “Mas o que sabemos é só medicação não resolve. O paciente tem que fazer terapia por um bom tempo. Percebemos uma melhora com o passar dos anos com o amadurecimento psíquico do sujeito”.