Avaliação do desempenho do teste de triagem CAGE entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do desempenho do teste de triagem gaiola entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais

Avaliação do desempenho da gaiola com pacientes psiquiátricos ambulatoriais

Clarissa Mendonça Corradi-WebsterI; Milton Roberto LapregaII; Erikson Felipe FurtadoII

RESUMO

Estudo descritivo e transversal para avaliar o desempenho do CAGE em pacientes psiquiátricos ambulatoriais em um hospital universitário terciário. Amostra de conveniência composta por pacientes do HCFMRP-USP (n = 127). Os instrumentos utilizados foram o CAGE e a entrevista diagnóstica baseada nos critérios da CID-10 para uso nocivo e dependência de álcool. O desempenho dos escores do CAGE foi avaliado por meio da análise da curva ROC, tendo como padrão ouro o diagnóstico clínico CID-10. A sensibilidade e especificidade de acordo com os pontos de corte são: > 0, Sens = 100%, Spec = 0%; > 1, Sens = 100%, Especificação = 73,7%; > 2, Sens = 53,8%, Especificação = 87,7%; > 3, Sens = 53,8%, Especificação = 94,7%; > 4, Sens = 0%; Especificação = 100%. O escore 1 mostrou ser o ponto crítico ideal para sensibilidade / especificidade. > 1 foi o melhor ponto de corte para o CAGE entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais de um hospital universitário de nível terciário. Para aumentar o poder diagnóstico do teste e a confiabilidade de seus resultados, deve-se avaliar seu desempenho na população estudada.

Descritores: escalas; sensibilidade e especificidade; transtornos relacionados ao uso de substâncias; pacientes ambulatoriais; alcoolismo

RETOMAR

Estudio descriptivo, transversal, con objeto de assessar el desempeño del CAGE entre pacientes psiquiátricos ambulatorios de un hospital universitario terciario. Muestra de conveniência com pacientes do HCFMRP-USP (n = 127). Fue aplicada el CAGE e entrevista diagnóstica do CID-10 para uso nocivo e dependência de álcool. O desempeno da puntuación en el CAGE fue avaliada a través del analisis de la curva ROC, usando los diagnósticos del CID-10 como patrón-oro. A sensibilidade e especificidade de acuidade com ponto de corte: > 0, S = 100%, E = 0%; > 1, S = 100%, E = 73,7%; > 2, S = 53,8%, E = 87,7%; > 3, S = 53,8%, E = 94,7%; > 4, S = 0%, E = 100%. La puntuación 1 mostró ser el punto crítico ideal sensibilidad / especificidad. Entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais de um hospital universitário terciario e ponto de corte mais adecuado do CAGE fue > 1. A fin de aumentar o poder diagnóstico do teste e a segurança de seus resultados se recomendo que se realce a avaliação do desempeno do teste na población estudiada.

Descriptores: Escalas; sensibilidad y especificidad; trastornos relacionados com sustancias; pacientes ambulatorios; alcoolismo

INTRODUÇÃO

O consumo excessivo de álcool por pessoas com problemas psiquiátricos pode representar um alto risco para a saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a probabilidade de dependência de álcool ao longo da vida na população geral é de 14% e para um indivíduo com transtorno psiquiátrico de 22%. A probabilidade de dependência de álcool é 2,3 vezes maior entre pessoas com algum transtorno psiquiátrico do que entre pessoas sem esses transtornos (1).

É muito importante identificar o uso problemático de álcool em um estágio inicial, pois isso fornece profissionais com oportunidade de atuar preventivamente e, consequentemente, reduzir os problemas causados por esse consumo. No caso de pacientes psiquiátricos, o uso de álcool também pode prejudicar a adesão ao tratamento, interagir com os efeitos da medicação e piorar o prognóstico da doença.

Nos últimos anos, diversos instrumentos foram desenvolvidos para auxiliar os profissionais nessa identificação. Esses instrumentos podem ser utilizados por qualquer profissional de saúde com um mínimo de formação e auxiliam numa avaliação breve. São bons para o dia a dia, têm aplicabilidade fácil e rápida e oferecem uma pontuação clara que indica a probabilidade de problemas relacionados ao álcool. Mesmo não sendo instrumentos de diagnóstico, esses testes foram avaliados com base em sua capacidade de diferenciar com confiabilidade entre indivíduos que possuem o quadro clínico e os que não possuem.

O CAGE, criado na década de 70, é um questionário com esta finalidade. Possui apenas quatro questões com respostas objetivas (sim / não) e é muito utilizado devido à sua fácil aplicação e boa aceitabilidade entre profissionais e pacientes. Foi validado no Brasil em 1983, quando foi proposta a aplicação de suas quatro questões mescladas a outras dez questões sobre hábitos de saúde, para facilitar a entrevista (2). O nome CAGE vem das palavras-chave contidas em cada uma das perguntas: 1) Você já sentiu que deveria reduzir o consumo de álcool?2) As pessoas o incomodaram por criticarem o seu hábito de beber? 3) Você já se sentiu mal ou culpa por beber? 4) Você já bebeu na primeira hora da manhã para acalmar os nervos ou se livrar de uma ressaca (ou seja, para abrir os olhos)? As perguntas devem ser respondidas com sim ou não e respostas como “às vezes” são consideradas sim.

Outro teste de triagem amplamente usado é o AUDIT (Teste de Identificação de Distúrbios pelo Uso de Álcool). Foi desenvolvido a pedido da OMS para ser utilizado como instrumento de triagem de uso perigoso, uso nocivo e dependência de álcool (3). O AUDIT é composto por 10 questões graduadas de zero a quatro e enfatiza a identificação de transtornos relacionados ao uso de álcool nos últimos 12 meses, avaliando níveis de consumo de álcool, sintomas de dependência e problemas relacionados ao uso. Tem sido bem aceito pelos profissionais e utilizado em diversos serviços de saúde (4). Os testes de rastreamento são objetos de diversos estudos, principalmente para verificar a validade em relação a grupos específicos, como mulheres, idosos, adolescentes e pacientes psiquiátricos. Alguns autores propuseram uma modificação no questionário CAGE para uso em gestantes (5). Esse instrumento recebeu o nome de T-ACE, e foi validado no Brasil em 2002 (6). A literatura também propõe que sejam feitas adaptações alterando o ponto de corte do instrumento para garantir especificidade e sensibilidade satisfatórias (7). Quando o CAGE foi validado no Brasil, o ponto de corte sugerido foi > 2, no entanto, alguns autores recomendam o ponto de corte de > 1 de acordo com a população estudada (8-9). O manual do AUDIT também recomenda a redução ou aumento do ponto de corte com alguns grupos determinados para melhorar seu poder de detecção (3).

Embora os instrumentos de rastreamento indiquem a possibilidade de um problema existente, eles não podem ser usados para concluir um diagnóstico psiquiátrico. Para isso, o instrumento mais utilizado é a entrevista estruturada, conforme os Critérios de Diagnóstico para Pesquisa (DCR-10) da CID-10. Esta entrevista permite a identificação do uso nocivo e da síndrome de dependência do álcool, utilizando os critérios derivados do Capítulo V – Transtornos Mentais e Comportamentais, da CID-10. Foi desenvolvido para uso clínico e educacional geral e quando utilizado por profissional habilitado pode ser considerado de alta confiabilidade para o diagnóstico de transtorno por uso de álcool (10).

Seguindo as sugestões do literatura para adaptação dos instrumentos de rastreamento, este estudo teve como objetivo avaliar o desempenho do CAGE na identificação do uso problemático de álcool entre pacientes de serviço ambulatorial psiquiátrico de um hospital universitário.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo quantitativo, descritivo e transversal, com amostra de conveniência de uma população ambulatorial, selecionada segundo critérios de adesão, sem regime de ordem de inclusão fixo e independente de qualquer interferência dos profissionais assistentes. Os dados foram coletados no Ambulatório de Clínica Psiquiátrica (SACP) do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Os participantes do estudo foram pacientes atendidos nas seguintes Unidades: Unidade de Transtorno de Ansiedade, Esquizofrenia e Transtorno do Humor no SACP. A amostra foi composta por 127 sujeitos. Os critérios de inclusão foram os seguintes: ser maior de 18 anos, ser atendido no SACP após triagem e exame em psiquiatria geral para definição do diagnóstico e da conduta a ser seguida, para poder fornecer informações confiáveis e concordar em participar do estudo. Foram excluídos os pacientes que não preencheram esses critérios ou necessitaram de intervenção urgente.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram os seguintes:
– Entrevista estruturada e padronizada com o paciente para obtenção de informações sociodemográficas
– CAGE: instrumento de triagem de álcool, utilizado com frequência em pesquisas e clínicas (11-12)
– Critérios de Diagnóstico – CID-10: entrevista estruturada, conforme os Critérios de Diagnóstico para Pesquisa (DCR-10) da CID-10 , para verificar os transtornos do uso do álcool (uso nocivo e dependência do álcool).

Os dados foram coletados por estudantes de medicina e colaboradores de pesquisa graduados em psicologia. Todos os entrevistadores receberam treinamento com base em técnicas de entrevista, uso de instrumentos de rastreamento e avaliação para identificar transtornos relacionados ao uso de álcool por meio dos critérios diagnósticos da CID-10. Foram ao SACP durante o horário de atendimento e ao final da consulta com o paciente o médico residente explicou ao paciente os objetivos da pesquisa e perguntou se gostaria de participar. Caso concordasse, o médico residente sairia da sala e convide o entrevistador para iniciar a coleta de dados.As entrevistadoras leram com o paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, verificaram se realmente desejavam participar e, em seguida, iniciaram a entrevista para a coleta dos dados sociodemográficos. Em seguida, fizeram a aplicação do CAGE e a entrevista para os critérios de diagnóstico da CID-10.

As informações coletadas foram registradas no programa Excel – 2002. A avaliação do CAGE foi feita verificando-se a sensibilidade e especificidade do mesmo de acordo com o ponto de corte utilizado quando comparado ao diagnóstico de “uso nocivo” e “dependência do álcool” da CID-10, aqui utilizado como padrão-ouro. A curva ROC foi utilizada para analisar o ponto de corte mais adequado, garantindo sensibilidade e especificidade satisfatórias.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. As entrevistas foram realizadas após todos os pacientes terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para pacientes voluntários, respeitando os critérios éticos da resolução n.º 196 de 10 de outubro de 1996. Após a entrevista, todos os participantes receberam orientações sobre o consumo de baixo risco e sobre as situações em que devem evitar o consumo de bebidas alcoólicas.

RESULTADOS

Características da amostra

Uso problemático de álcool

Em relação à pontuação da amostra no CAGE, a Figura 01 ilustra a distribuição.

Avaliação do desempenho do CAGE entre pacientes psiquiátricos

A avaliação do desempenho do CAGE foi feita por meio da análise da curva ROC, tendo como padrão ouro o diagnóstico clínico de “uso nocivo” ou “dependência de álcool”, da CID-10. A Figura 02 indica os valores de sensibilidade e especificidade obtidos de acordo com o ponto de corte do CAGE.

Usando a análise da curva ROC, verificou-se que a sensibilidade / especificidade do ponto crítico ideal foi para o escore um no CAGE. Com base nesses dados, optou-se por usar o ponto de corte > 1. A Figura 03 ilustra as análises da curva ROC.

Levando em consideração o ponto de corte de > 1, a distribuição dos resultados positivos e negativos em CAGE é mostrada na Figura 04.

DISCUSSÃO

Os instrumentos de rastreamento do uso de álcool estão sendo amplamente utilizados em pesquisas e na clínica. O uso do instrumento CAGE está se espalhando devido à sua aplicação rápida e fácil. No entanto, a literatura recomenda a adaptação deste instrumento para diferentes realidades e populações, tornando-se importante a avaliação de seu desempenho. Estudo realizado sobre a execução de cinco instrumentos de rastreamento de problemas relacionados ao álcool utilizados em pacientes psiquiátricos, incluindo o CAGE. , sugeriram que os pontos de corte desses instrumentos foram adaptados aos padrões locais e às características dos serviços (13).

Na amostra estudada, verificou-se que os melhores valores de sensibilidade e especificidade para CAGE foram encontrado com o ponto de corte > 1 (Sens = 100%; Spec = 73,7%). Quando o CAGE foi traduzido e validado no Brasil, o ponto de corte recomendado foi > 2 (2). Porém, neste estudo observou-se que com este ponto de corte o instrumento perderia quase 50% de sua sensibilidade, não identificando todos os casos de pacientes com uso prejudicial ou dependência de álcool. Outros autores também encontraram esse problema quando compararam dois grupos de pacientes de um serviço e sugeriram a redução do ponto de corte de vários instrumentos de rastreamento, incluindo o CAGE, para grupos de mulheres (9). Principalmente para mulheres brancas norte-americanas, há vasta literatura recomendando o uso do ponto de corte > 1 no CAGE (14,15). Um estudo que avaliou uma amostra de idosos também encontrou baixa sensibilidade (48%) com o ponto de corte de > 2 (16). Em pacientes ambulatoriais de clínica ortopédica, o ponto de corte > 1 do CAGE, que apresentou valores de 85% para sensibilidade e 89% para especificidade, foi considerado o mais adequado (17). Estudo realizado no Brasil para verificar a validade do CAGE em pacientes com dependência de álcool internados em berçário clínico também encontrou os valores de sensibilidade (93,8%) e de especificidade (85%) mais adequados com a utilização do ponto de corte > 1 (18).

Verificou-se que com o uso do CAGE houve maior inclusão de pessoas como “casos” do que com o uso dos diagnósticos critérios da CID-10. É importante destacar que os critérios da CID-10 referem-se ao ano passado e o CAGE refere-se ao tempo de vida. Isso pode explicar a maior frequência de casos encontrada com o uso do CAGE.Outra possível explicação é que o CAGE identificou pessoas com uso perigoso de álcool, mas por não terem causado nenhum dano, não foram identificadas pelos critérios de uso nocivo da CID-10. Assim, o CAGE selecionaria pessoas que estão em diferentes pontos do continuum da psicopatologia da bebida, sendo uma marca clínica confiável para qualquer uma das seguintes condições: uso perigoso, uso prejudicial e dependência, que ocorreram ao longo da vida.

Para auxiliar na identificação do uso problemático de álcool entre pessoas com quadro psiquiátrico, que utilizam ambulatórios, sugere-se a utilização de instrumentos de rastreamento. O CAGE mostrou-se aqui um bom instrumento para esse fim, sendo rápido, fácil de entender e não intimidante. Neste estudo, seu ponto de corte mais adequado foi > 1. Para melhorar o poder de diagnóstico do teste e a confiabilidade dos resultados a avaliação de seu desempenho em a população estudada é recomendada.

1. Organização Mundial da Saúde. Neurociência do uso e dependência de substâncias psicoativas. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2004. 264p.

2. Masur J, Monteiro MG. Validação do teste de rastreamento de alcoolismo “CAGE” em um hospital psiquiátrico brasileiro. Braz J Med Biol Res 1983; 16 (3): 215-8.

3. Babor TF, Higgins-Biddle JC, Saunders JB, Monteiro MG. AUDIT: teste para identificação de problemas relacionados ao uso de álcool: roteiro para uso em atenção primária. Ribeirão Preto: PAI-PAD; 2003.

6. Fabrri CE. Desenvolvimento e validação de instrumento para rastreamento do uso nocivo de álcool durante a gravidez (T-ACE). . Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / USP; 2002.

7. Aertgeerts B, Buntinx F, Kester A. O valor do CAGE na triagem de abuso de álcool e dependência de álcool em populações clínicas gerais: uma meta-análise diagnóstica. J Clin Epidemiol 2004; 57: 30-9.

8. Cherpitel CJ. Diferenças de gênero, estado de lesão e aculturação no desempenho de instrumentos de rastreamento para problemas com álcool entre pacientes do departamento de emergência hispânico dos EUA. Drug Alcohol Depend 1999; 53: 147-57.

9. Cherpitel CJ, Borges G. Instrumentos de rastreamento para problemas com álcool: uma comparação de pontos de corte entre pacientes mexicanos e americanos na sala de emergência Subst Use Misuse 2000; 35 (10): 1419-30.

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